No começo de junho foi meu aniversário. O quarto desde que me mudei para Berlim.
A primeira vez foi bem decepcionante, talvez porque era para ter sido um daqueles grandes marcos, sabe? Eu fiz 30 anos logo depois de chegar aqui, e apesar de já ter um círculo social para dar rolê, eu não senti nenhuma vontade de celebrar aquele aniversário com aquelas pessoas.
Naquele ano, eu dividia um apartamento (e um único banheiro) com dois caras com quem eu tinha zero afeto. Estava frustrada demais com minha situação de moradia e - o mais importante, na minha opinião - eu estava triste por não celebrar meus 30 anos com minha família e amigos do Brasil.
Acho que foi uma daquelas fases que todos os imigrantes passam ao menos uma vez, de se questionar: “o que eu estou fazendo aqui?”. Mas no final das contas, a vida é feita de escolhas, né? E hoje posso dizer que escolhi certo.
Naquele primeiro aniversário, um tanto esvaziado de pessoas queridas, eu me presenteei com um bolo muito lindo de uma doceira italiana na frente de casa. Grande acerto! Até hoje é minha doceira preferida de Berlim e uma jóia para quem, assim como eu, gosta de comer com os olhos.
Aquele ano, 2022, foi o primeiro e único aniversário que eu passei triste. Em 2023, 2024 e agora em 2025, eu celebrei meu aniversário não apenas no próprio dia, mas ao longo de duas semanas. Para dar conta de comemorar com todas as minhas pessoas queridas de Berlim.
Eu ando notando o quanto que eu escuto comentários sobre como é difícil fazer amizades depois de adulto.
Abro o Instagram e aparecem vídeos de especialistas, vídeos de comediantes, vídeos de milhões de pessoas que não conheço falando com saudosismo sobre como era muito mais fácil fazer amigos quando éramos crianças.
Perdi as contas de quantas vezes ouvi esse tema nos diversos podcasts que escuto diariamente. Até mesmo meus amigos comentam sobre a dificuldade de fazer… amigos.
Confesso que não me relaciono.
Fiquei pensando nisso no meu aniversário, na lista de pessoas com quem gostaria de celebrar, sempre tendo um nome de última hora para chamar. Sem contar nos outros amigos que estão espalhados pelo mundo e simplesmente não teria como juntar todo mundo em Berlim.
Fiquei pensando nessas pessoas que fui conhecendo ao longo do caminho e que mantive na minha vida, e acho que nunca foi tão fácil fazer amigos que nem agora que sou adulta.
Parece que estou me gabando? É, pode ser que eu esteja um pouquinho sim. Mas me darei esse direito, até porque ter amizades para mim é uma questão de muito orgulho e conquista.
Já comentei aqui algumas edições passadas, mas eu fui uma criança um tanto isolada. Tinha uma ansiedade enorme toda vez que precisava interagir com outras crianças, e sentia que nunca conseguia me conectar com ninguém. Eu era a menina estranha que era zoada pelo corte de cabelo, pelos dentes grandes, por apanhar na escola, por ser a última a ser chamada nos times da Educação Física, por existir.
Quando finalmente uma criança me dava atenção, eu sentia que precisava me agarrar à ela com todas as forças, mas até isso vinha com um pacote de nervosismo. Será que eu sou legal o suficiente? Será que essa pessoa gosta de mim mesmo? Será que eu estou fazendo algo errado? E se ela não quiser mais ser minha amiga?
E isso acontecia com frequência. Um dia achava que tinha uma amiga, até que de repente essa relação esfriava, a amizade simplesmente desaparecia e eu começava todo esse ciclo ansioso com outra pessoa. Era uma tortura.
Até que chegou o momento que as amizades não desapareceram mais. Uma amiga da escola foi ficando, e depois outra, e criamos um grupo, e o grupo foi crescendo, e agora eu viajo para o Brasil toda vez que uma delas vai casar.
Mas a insegurança já fazia parte de mim. Eu a carregava comigo em todos os ambientes que frequentava. Na aula de dança, na escolinha de idiomas, no cursinho, no primeiro trabalho em loja, na faculdade… Sem contar, e especialmente, em festas, baladas, barzinhos, eventos de todos os tipos. Cada novo espaço, eu me colocava num canto tentando ser a mais invisível possível, quase que me fundindo com a parede, ao mesmo tempo que desejava muito que alguém viesse falar comigo. Ninguém vinha. Eu também não ia. E sempre voltava derrotada para casa.
Ainda assim, mesmo derrotada, eu continuava saindo. Continuava frequentando novos espaços. E aos poucos, bem aos poucos, eu fui expandindo minha bolha. Apesar do nervosismo e da dificuldade de olhar no olho, eu fui conhecendo mais pessoas. E, assim como aquelas primeiras amigas, outras foram ficando.
A minha insegurança em conhecer gente é um grande novelo de lã, que foi ficando cada vez maior e mais embaraçado naqueles anos em que eu não conseguia me conectar com ninguém. Conforme eu fui envelhecendo, porém, é como se eu fosse desenrolando ele aos pouquinhos, deixando uma trilha com o fio de lã e cada espaço que eu frequentava.
Hoje tenho meu grupo de amigas do colégio. Os amigos da faculdade. Dos intercâmbios que fiz. Tenho amigos das empresas em que trabalhei. Gente que conheci em hostel nas minhas viagens. As amigas do mestrado na Inglaterra. E claro, o pessoal de Berlim, que celebra comigo o meu aniversário durante semanas todos os anos.
Claro que essas amizades vêm de todas as formas e estilos. Tem gente com quem eu falo diariamente por mensagem. Tenho um amigo dos Estados Unidos que é a única pessoa que me liga com frequência; mensagem de texto só não basta. Tem aqueles também que só aparecem uma ou duas vezes por ano, e tá ótimo. Tem épocas que eu estou mais conectada nessa pessoa aqui, e épocas que aquele outro vai ser mais próximo.
Amadurecer para mim foi também entender que as amizades vão e voltam. Às vezes mais próximas, às vezes mais distantes. Mas sempre voltam. Eu aprendi a soltar um pouco a mão, ao invés de agarrar desesperadamente uma pessoa como se ela fosse me salvar da minha própria insegurança, como eu fazia quando era criança.
Talvez seja por isso eu sinta que é muito mais fácil fazer amigos agora que sou adulta.
Eu me pego lembrando das vezes que eu era uma só com a parede, tão nervosa eu estava em interagir com pessoas novas.
Engraçado pensar na contradição da coisa toda. Imagino que meus amigos concordem, mas eu sou uma pessoa bem expansiva. Eu falo muito, falo alto, gesticulo um monte, xingo para caramba e, sejamos sinceras, gosto da atenção. Eu amo sentir as pessoas conectadas comigo enquanto conto uma história. Não seria esse o propósito de escrever essa newsletter?
Mas eu vivia me encolhendo. Ainda me encolho às vezes, apesar de bem menos do que antes. É um constante exercício lembrar que não preciso me esconder dentro de mim mesma. É como se uma mãozinha tentasse me puxar para dentro de uma caixa, mesmo sabendo que a minha personalidade não vai mais caber.
A cada espaço que frequento, a cada nova pessoa com quem me conecto, a cada aniversário que sou rodeada por tantas pessoas queridas, mesmo morando do outro lado do mundo, vai ficando mais fácil me libertar dessa caixinha. Sair da parede.
O novelo de lã continua aqui dentro de mim, mas está cada vez menor.
Tschüßi!
Lu, não sou uma “pessoa que comenta”. Mas essa News fez tanto, mas tanto sentido pra mim… Foi quase insight de terapia: de alguma forma, permitiu que eu entendesse e colocasse ordem em uma série de coisas desconexas que estavam passando pela minha cabeça há meses. Me identifiquei demais contigo. E tem mais uma coincidência: fiz aniversário no início do mês e, este ano, decidi que iria gostar de aniversário. E comemorei muito, várias vezes, com amigos que hoje são uma das partes mais importantes da minha vida.
Danke für diesen Text!
Tschüß!