#2: Por que viver lá fora?
Ou, como dizia minha vó: parece que essa menina tem formiga na cadeira.
Uma pergunta que é recorrente na minha vida é: "Por que você vai morar fora?". Claro que tem algumas variações. "Por que você veio parar aqui?" ou "Por que deixou o clima do Brasil para morar aqui nesse lugar sem sol?".
Independente do formato, a pergunta "por que?" é inevitável no estilo de vida que eu assumi. E há algumas maneiras de responder.
A resposta mais óbvia seria de acordo com o destino. Afinal de contas, cada viagem tem seus motivos e objetivos específicos.
Em 2012, eu fui passar um mês na Argentina para aprender espanhol (confesso que deixei esse idioma de lado e já estou totalmente enferrujada). Em 2013, eu passei num processo seletivo para um intercâmbio de 6 meses pela faculdade, e fui viver o semestre nos Estados Unidos, com direito à vida no campus e toda aquela loucura que víamos nos filmes da sessão da tarde.
Depois dessa experiência, tomei gosto pela coisa e queria criar a vida lá fora. Passei em um Mestrado na Inglaterra em 2015 e parti mais uma vez. O objetivo - ou o sonho, pelo menos - era construir carreira e ficar por lá mesmo. Mas nem sempre as coisas caminham como gostaríamos, e eu voltei para o Brasil depois de um ano e meio.
Até achei que ficaria por isso mesmo, mas em 2022 eu vim para a Alemanha para trabalhar em uma empresa de tecnologia, com visto de trabalho e muito mais segurança, burocrática e financeira, do que eu tive nas vezes anteriores.
Como eu disse: cada viagem, uma história.
Mas esse é só um jeito de responder à pergunta do "por que?". O outro jeito é pensar no sentido mais amplo da questão. O que me motiva a criar vida em outro lugar? O que me faz ir embora? Por que viver lá fora?
Sinto informar, mas não tenho uma resposta exata para isso.
Posso dizer que é porque eu sou uma pessoa que segue muito meus desejos sem questioná-los tanto. Quis viver fora um tempo, gostei, quis repetir.
Ou talvez eu queria criar uma vida num lugar novo onde ninguém me conheça para que eu possa ser uma nova pessoa, com uma nova personalidade e criar histórias novas que não dependam das raízes do meu passado. Parece roteiro de série da Netflix, né? Mas não deixa de ter um fundinho de verdade.
Os amigos mais próximos brincam que é porque só assim para eu viver um grande romance e colocar meu diploma da graduação em uso - eu me formei em Relações Internacionais, não por acaso.
Não sei qual é o certo. Talvez nenhum desses porquês. Talvez todos eles.
Mas quando eu me pergunto isso com frequência o suficiente, eu olho pra dentro de mim e tento entender de onde vem essa vontade de viver a vida lá fora. Ou, como minha vó dizia, essa formiga na cadeira.
Nessas horas, a primeira memória que vem na minha cabeça são as fotos da minha vó Helena no Japão.
Ela me contou essa história diveeeeersas vezes. Na década de 80, ela se juntou a uma excursão de idosos e foi com eles para o Japão, sem conhecer praticamente ninguém. Ela visitou o monte Fuji, dezenas de templos, deu mamadeira para bebês panda no zoológico de Tokyo, e viveu uma vida que era absolutamente impensável para uma mulher sozinha naquela época.
Os olhos dela sempre brilhavam quando ela me contava essa história. E os meus também.
Eu tenho uma família que sempre incentivou muito a minha independência, mas ninguém alimentou mais isso do que minha vó Helena. A única mulher que eu conhecia que vivia sozinha, que me ensinou a andar por São Paulo de transporte público, que fazia aula de pintura com 80 anos, que foi pro Japão sozinha, que saiu de casa com 15 anos pra virar enfermeira na Pro Matre Paulista, mentindo que tinha 18 anos.
Quando eu olho para trás, eu penso que provavelmente foi ela quem colocou a primeira formiga na minha cadeira. E a partir daí, eu só alimentei.
A Argentina foi minha primeira viagem sozinha. Eu tinha 20 anos e nunca tinha ido pro bar depois da aula na faculdade. Cheguei lá tremendo de medo, passei por alguns apuros, muita vergonha, mas eu descobri uma nova versão de mim mesma que nunca tinha visto em São Paulo. E eu gostei. Voltei para o Brasil com a cabeça aberta; parecia que eu tinha expandido um pouco a bolha em que eu tinha crescido.
Nos Estados Unidos, eu conheci gente muito mais diversa, tive experiências incríveis, estudei e aprendi demais, passei por mais alguns apuros, e me reconectei com aquela Luiza que tinha conhecido em Buenos Aires. Voltei para casa com um furo na minha bolha.
Quando voltei da Inglaterra, minha bolha já havia estourado.
Talvez essa seja minha formiga na cadeira. Eu acredito que quanto mais nós conhecemos do mundo, menos vamos cabendo na caixa de onde viemos. Para mim, o voltar para São Paulo sempre foi uma frustração, pois a sensação era de que eu havia vivido dezenas de outras vidas, enquanto São Paulo continuava na mesma.
Para meus amigos e parentes que estiverem lendo esse texto, eu espero que vocês não vejam isso como crítica nem uma reclamação. Eu amo São Paulo e a vida que eu construí lá do fundo do meu coração, e ela nunca vai deixar de ser minha casa. É meu porto seguro, o único lugar em que tenho pessoas que me conhecem a vida toda, e o único em que me sinto incondicionalmente amada. Não importa quanto tempo eu moro longe, eu sei que em algum momento eu voltarei para casa.
Mas por enquanto, essa casa, aconchegante, querida, amada, saudosa e segura casa é pequena demais para mim.
Ainda não existe uma resposta definitiva, mas da próxima vez que me perguntarem "por que viver lá fora?", eu posso dizer com convicção: porque o mundo é grande demais para ficar sempre no mesmo lugar.