Oi, aqui é a Lu.
Eu estou há um ano ensaiando essa newsletter. Ou melhor, há 10 anos.
Faz uma década que eu passo longos períodos morando fora. Argentina em 2012. Estados Unidos em 2013. Inglaterra em 2015. E agora, desde 2022, Alemanha.
Eu queria escrever sobre os devaneios que eu tenho em morar fora. Ainda quero, na verdade. Mas essa semana merece um texto um pouco especial. E, por mais que não fosse a estreia que eu pensava pra essa newsletter, talvez fosse tudo que eu precisava pra colocar essa ideia em prática.
Hoje tive um devaneio sobre o luto à distância. Então vou colocar ele aqui, como minha primeira newsletter.
E quem sabe na próxima já venho com devaneios mais felizes.
Bom proveito!
Eu tenho essa foto do lado da minha mesa de trabalho. É Natal de 1999. É a única foto com a minha família inteira (exceto a prima Cynthia, que bateu a foto, e meu pai, que devia estar se fantasiando de Papai Noel). Uma família que fez da minha infância a mais feliz possível e que fez eu ser quem eu sou hoje. Uma família que já está pequenininha e vai ficando cada vez mais só nessa foto, e na memória.
Esse ano vai fazer 10 anos que minha vó Adélia (a primeira da esquerda para a direita) partiu. Inclusive essa semana ela completaria 101 anos, imagina só!
Essa semana também foi o Tio Luigi que partiu.
Um tio que foi muito mais que tio; ele foi meu segundo pai. O tio que participou de todos os aniversários, todos os eventos da escola, todos os natais e anos novos. O que visitava a gente só pra tomar um café, o primeiro que aparecia quando qualquer um de nós estava no hospital por qualquer motivo, o que ia se despedir de mim no aeroporto todas as vezes que eu saí de casa pra morar longe. E foram muitas.
Além dos 10 anos que unem a partida da vó Adélia com a do Tio Luigi, elas também se unem por mais um motivo: o fato de eu estar longe.
Na verdade, eu estar morando fora virou piada na família. Não de mau gosto, longe disso. Mas uma piada daquela que a gente diz: é rir pra não chorar.
A vó Adélia partiu quando eu estava morando nos Estados Unidos. A vó Helena, quando eu estava morando em Londres. O tio Adilson se foi numa noite em que eu estava pulando carnaval em Paraty. E o tio Luigi agora, comigo morando em Berlim. Ainda teve o Guilherme quando eu estava em Buenos Aires, que se foi antes mesmo de nascer.
Nessas idas e vindas, eu consegui me despedir da vó Pepina (o nome era Josephina, nunca soube de onde veio o apelido) que se foi com 106 anos. E do tio Maurício, que se foi cedo demais. Ainda teve a dona Ruth e a Tuta, claro, minha salsichinha que está no meu colo nessa foto. E que eu vi dar o último suspiro. Sem falar das tias avós Glorinha, Matilde e Safira, que não estão aqui mas fizeram parte da minha infância do mesmo jeito.
Eu sou uma grande adepta do morar fora pra quem tem a oportunidade. Sou também a primeira a defender a desglamourização do morar no exterior. São muitas experiências únicas e abre portas que talvez nunca se abrissem na sua cidade natal, com certeza. Mas também é uma vida de escolhas difíceis, saudades e falta.
No meu caso, é uma vida de muitos lutos mal vividos e a tristeza - e por que não, a culpa - de não poder me despedir de tantas pessoas amadas. O luto à distância é uma coisa engraçada: você se pega constantemente, e por longos momentos, esquecendo que aquela pessoa se foi. E quando você pensa "Nossa, vou mandar mensagem pro tio sobre isso" e a lembrança dá aquele tapa na sua cara, é como se você passasse por tudo de novo, do zero.
E quando eu voltar pra São Paulo e visitar a casa do tio Luigi, ou os lugares que eu esperaria encontrá-lo, só aí, meses depois, é que minha cabeça vai finalmente entender que ele partiu. E o luto enfim vai acontecer como se deve.
Hoje eu entendo como faz falta ir ao velório. Se despedir da pessoa ao vivo e a cores, por mais triste que seja. Chorar e rir com seus parentes e amigos. Celebrar a vida que se foi e honrar sua memória. O velório, ou seja qual for a cerimônia de despedida, é o momento em que você entende o que perdeu, e permite viver seu luto em paz. Escolher morar fora é escolher sacrificar esses momentos.
O luto à distância é longo, muito longo. Ironicamente, eu já conheço o esquema; afinal, estou acostumada, pro bem ou pro mal. Mas reconhecer o luto longo não faz dele menos doloroso. Só o faz menos assustador.
Eu ainda não consigo olhar pra essa foto sem chorar. Mas ela vai continuar do lado da minha mesa. Essa família não está mais comigo todas as semanas, como costumava ser. Seja porque eu parti, ou porque eles partiram. Mas ainda é a melhor família que eu poderia ter. A que fez eu ser uma pessoa teimosa e corajosa e que não vai deixar de viver a vida que sonha, apesar dos sacrifícios e dos lutos mal vividos. Olhar pra essa foto é meu jeito de me despedir e celebrar a vida de todos que já se foram, e que eu continuo amando demais, mesmo à distância.