#3: Nudismo, spa em Berlim e choque cultural
Viver na Alemanha - e se adaptar - é estar rodeada de corpos pelados.
A primeira vez que eu vi um homem pelado tomando sol no Tiergarten, no centro da cidade, atrás de uma moita não tão discreta assim, eu estava de passagem.
Como qualquer brasileiro que se depara com um peru de fora (que não seja atentado ao pudor nem assédio, claro), eu reagi como um típico garoto da quinta série e praticamente apontei pro homem e disse para um amigo que estava comigo "Olha lá um cara pelado!", dando aquela risadinha esnobe que só aqueles que não cresceram na cultura nua podem dar.
Mal sabia eu que minhas experiências com corpos pelados ao meu redor ainda iam longe.
Na minha busca por um esporte que de fato me interessa, comecei a nadar nas piscinas públicas de Berlim (inclusive, umas das coisas que eu mais gosto nessa cidade é a rede de piscinas públicas). Nada teria me preparado para o chuveiro absolutamente sem divisórias.
Claro que há ambientes separados para homens e mulheres. Em algumas piscinas, há um corredor entre eles. Em outras, há uma meia parede, e qualquer um pode dar uma espiadinha do outro lado se encontrar o ângulo certo.
Eu estava muito auto consciente ao tomar banho com cinco outras mulheres, das mais variadas idades, todas sem pudor algum me encarando dos pés à cabeça. Seria por causa do meu corpo, do fato de eu claramente não ser alemã, ou por causa das tatuagens que cobrem toda a minha coxa direita e a perna esquerda? Nunca saberei. Mas certamente foi uma experiência marcante.
Depois disso, no verão, fui iniciada na cultura dos lagos de Berlim, o mais próximo de uma praia que podemos encontrar nessa cidade. Pessoas se trocando livremente no meio das crianças, outras esparramadas numa toalha tomando sol sem nenhuma barreira. Eu nunca me senti tão deslocada quanto no dia que precisei tirar minha roupa e colocar um biquíni no meio do mato, com pavor das aranhas na árvore de um lado e dos homens que estavam fazendo xixi a 3 metros de mim - aliás, usar qualquer mato como banheiro, assim como o nudismo, também é uma característica bem forte que eu já percebi por aqui.
Resumindo, a cultura do nudismo na Alemanha talvez seja o maior choque cultural que eu já passei nos últimos 10 anos viajando e morando por aí.
A vergonha e o desconforto que eu sinto sendo rodeada de corpos pelados - e a ideia de eu mesma estar nua - vinha sendo um incômodo muito grande para mim. O que é bem interessante se pensarmos em como nós, brasileiros, crescemos com corpos à mostra.
Na praia, somos conhecidos pelos menores biquínis do mundo e provavelmente um dos únicos lugares em que homens usam sungas brancas (escolha questionável, na minha humilde opinião). Mas até onde eu sei, no Brasil, nunca ultrapassamos a barreira daquele pedacinho de pano que esconde nossas partes mais íntimas. E acredito que seríamos muito julgadas caso tentássemos. Mas na Alemanha, um país extremamente católico por sinal, já superou esse julgamento.
Apesar dessa minha barreira emocional e cultural com o nudismo, há também em Berlim uma experiência que muito me interessava: o spa.
Os spas aqui (como em qualquer lugar, eu imagino; nunca havia ido em spa nenhum) são estabelecimento com diversos ambientes cujo principal objetivo é fazer você relaxar. Nos países frios, é costumeiro que os spas ofereçam massagem, algumas piscinas ou banheiras, e saunas. A única regra é: roupas são proibidas. Roupas de banho inclusive.
Há meses que eu me coçava de vontade de ir a um spa. Eu imaginava um lugar elegante, tranquilo, em que eu poderia relaxar e deixar o celular trancado no armário por algumas horas e apenas descansar o corpo e a mente.
Depois de muito tempo falando com colegas que já foram num spa e pesquisando na internet e simplesmente trabalhando a ideia do nudismo na minha cabeça, eu criei coragem. Tirei um dia de férias e fui no Vabali, um dos spas mais populares de Berlim - e também o mais restrito em relação às roupas. Ou o menos restrito, no caso.
Não quero dar a entender que foi um processo fácil, longe disso. Como já mencionei, a questão do nudismo foi e continua sendo um grande choque cultural. Além da consciência sobre seu corpo e dos outros, há ainda uma longa lista de regras e etiquetas ao entrar num spa público. Eu interroguei amigos e assisti muito vídeo no YouTube para evitar passar vergonha.
Ao chegar no spa pela primeira vez, a recepcionista me passou diversas orientações sobre o que fazer e não fazer. Vá para o vestiário. Tranque celular e pertences pessoais no armário. Apenas é permitido usar um roupão ou toalha no café e áreas de descanso. Pode levar livro e água. Sempre tome uma ducha antes da piscina e depois da sauna. Alguma pergunta? Várias, mas não fiz nenhuma.
Eu não conseguia esconder meu sorriso nervoso. Na minha cabeça só vinha um "o que eu estou fazendo aqui?".
O Vabali é gigante, e as diversas saunas são tão discretas que eu demorei pra entender o que era uma sauna e o que era uma parede. Eu fiquei andando sem rumo por uns bons 15 minutos tentando entender o lugar. Sempre com o rosto pra baixo e segurando aquela risadinha da quinta série.
No final, decidi começar pela piscina externa. Fazia 1ºC, com neve, e saia fumaça da água. Também era o espaço com menos pessoas. Eu tirei o roupão e pendurei ele num gancho alí do lado. Finalmente eu estava pelada em público!
Todo o processo de entrar na água deve ter durado uns 5 segundos e eu fui ridiculamente tentando cobrir minhas partes com as mãos e só pensando "o que eu estou fazendo o que eu estou fazendo o que eu estou fazendo". Eu entrei na água e só faltou eu afundar a cabeça de tanto que tentava conter o riso.
Demorou apenas 2 minutos para eu relaxar e começar a me sentir em casa.
A necessidade de olhar as outras pessoas passou. Talvez porque fosse claro que ninguém estava olhando para mim, então não tinha porque eu agir diferente. De vez em quando eu lembrava que estava pelada e ficava espantada, mas isso também passou rapidinho. Em instantes, eu me encontrei na paz da cultura do nudismo na Alemanha.
Eu entrava e saía das saunas como se estivesse em um parque de diversões. Uma sauna seca de 50ºC tinha luzes que mudavam de cor a todo segundo. A placa na porta dizia que ali era um espaço de cromoterapia.
Outra sauna tinha potinhos na entrada com máscaras esfoliantes de café ou lavanda. Eu passei a de lavanda no rosto, braços e peito e fiquei suando lá dentro por alguns minutos, conforme a orientação. Depois, me lavei com água gelada e a minha pele ficou tão deliciosa que era difícil não ficar passando a mão no rosto a todo instante.
Eu até criei coragem e entrei na piscina interna, que fica bem no centro do spa e à vista de todo mundo. Não tinha ninguém na água nessa hora, e parecia que eu estava desfilando nua para 200 pessoas. Foi engraçado e um pouco vergonhoso, mas assim que eu entrei na água, passou.
Muitas pessoas estavam sozinhas, assim como eu. Havia diversos casais. E algumas duplas de amigos - imagino que é preciso muita intimidade e cabeça aberta para curtir um espaço de nudismo com amigos. Mas confesso que já fiquei imaginando com quem eu teria coragem de convidar para ir comigo numa próxima vez.
Eu fiquei tão satisfeita e relaxada que fiquei ali por 3 horas. Ficaria mais, se não fosse a conta que aumenta por hora de estadia, e meu orçamento já estava no limite. Saí de muita má vontade e estou desde então pensando quando posso voltar.
Pensando agora, a experiência foi totalmente absurda. Andar pelada em público, na minha cabeça, continua sendo uma questão complicada. Não há como ignorar as inseguranças com meu corpo e a necessidade quase doentia de comparação com o corpo dos outros. O ato de tirar a roupa em público continua sendo um momento de tensão.
Mas ao mesmo tempo eu estou admirada com o tanto de conforto e naturalidade que eu encontrei naquele espaço. Finalmente entendi porque esses espaços são chamados de naturalistas.
Não acho que chegarei ao ponto de ficar nua nos lagos; eles já são públicos demais. Mas não consigo deixar de pensar que está mais fácil tomar banho com as senhoras depois da natação.
Mais ainda, sinto que superei um pouco meu maior choque cultural e uma etapa muito importante na jornada de integração em um país novo. Afinal, nada cria mais intimidade com uma cultura do que ficarmos pelados juntos.