Eu nunca fui de fazer resoluções de ano novo. Eu já tenho dificuldade de me comprometer com decisões do dia a dia (alguém poderia dizer que é porque sou de gêmeos, mas não falamos de astrologia nessa newsletter). Pensar em decisões para o longuíssimo prazo de um ano me parece uma tarefa impossível.
Mas confesso que tenho sim certas vontades ou ideias de coisas que gostaria de seguir para 2025. Até onde me for possível, pelo menos.
São coisas simples. Por exemplo, quero muito não ficar postando em rede social toda vez que eu vou para a academia. Quero comprar menos coisas na Amazon. E quero ser capaz de me retirar mais rápido de situações desconfortáveis para mim.
Durante minha viagem pela Ásia, eu passei 10 dias na Coreia do Sul. Logo nos primeiros dias, enquanto visitava o Palácio de Gyeongbokgung em Seul, eu conheci um homem da Bélgica que chamarei aqui de M.
Foi uma conversa de 10 minutos. Ele me abordou pedindo para eu tirar uma foto dele. Eu pedi o mesmo. Trocamos algumas ideias e nossos contatos. Alguns dias depois, vi no Instagram dele que estávamos em Busan ao mesmo tempo. Então eu o chamei para comer churrasco coreano.
Essa era minha missão número 1 da viagem pela Coreia, mas infelizmente é comum os restaurantes não servirem churrasco para pessoas sozinhas, já que eles exigem um pedido mínimo de duas porções. Ou seja, eu precisava de companhia. E ali estava minha oportunidade com M.
Ele topou e mais tarde naquele mesmo dia nos encontramos no centro de Busan. E começou a noite mais desagradável que eu tive em toda a minha viagem.
Combinamos de nos encontrar no metrô e descer uma rua cheia de restaurantes. Logo de cara percebemos que todos os lugares de churrasco tinham um porco gigante decorando as fachadas. Provavelmente a especialidade da região.
“Ah, não quero comer porco. Vamos comer outra coisa.” disse M. E eu, decepcionadíssima por frustrar minha missão do churrasco coreano, aceitei.
Acabamos entrando num restaurante de frango frito. Pedimos o prato, uma garrafa de soju e uma cerveja para cada um. E imediatamente começou uma sucessão de sinais de alerta que, se eu os tivesse respeitado, teria ido embora antes do frango chegar à mesa.
M gostava de jogar mentiras na conversa e ver se eu as pescava. Logo nos primeiros minutos ele comentou algo como “O Bolsonaro foi o melhor presidente do Brasil, né?” e ficou rindo com orgulho da minha reação incrédula até admitir que estava brincando.
Mais até do que os absurdos que ele falava, eu ficava chocada pela aleatoriedade com que ele simplesmente mudava de assunto para me provocar. M me interrompia o tempo todo. Em cinco momentos diferentes, ele me cortou para dizer “Fica tranquila, nem todo mundo quer transar com você”. Na maioria das vezes, eu ficava paralisada com o comentário que, além de impróprio, não tinha nada a ver com o que estávamos conversando.
Eu sabia que podia ir embora. Meu corpo gritava para eu levantar e ir embora. Mas eu fui ficando. Em parte porque, como para a maioria de nós mulheres, há uma força sobrenatural para sermos educadas e não deixar o outro desconfortável, da qual eu tinha total consciência naquele momento, mas que ainda assim não fui capaz de desafiar.
E em parte porque, bem lá no fundo, eu queria ver até onde ia essa noite. Eu sentia um desejo sádico de ver M perder a pose. E, de certa maneira, consegui.
Houve um tema em especial que marcou esse dia. Um tema que, para quem acompanha essa newsletter ou para quem conhece qualquer mulher que costuma viajar sozinha, já ouviu.
Em determinado momento, antes mesmo do frango chegar à mesa, estávamos conversando sobre nossas viagens, no que eu comentei que mulheres viajando sozinhas precisam tomar certas precauções a mais.
M revirou os olhos e disse que "Mulheres se fazem de vítimas” e que “Eu sei como elas se sentem pois fui criado por uma mãe e duas irmãs".
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Eu esperei alguns segundos e dei uma risadinha nervosa achando que era outra de suas mentiras. Mas não era.
Lembrando dessa cena, eu me sinto num documentário do David Attenborough sobre algum animal raro. É como se eu só tivesse ouvido falar de homens que dizem tamanho absurdo, mas nunca tivesse acreditado de verdade que eles existissem, porque nunca tinha visto um com meus próprios olhos. Até agora.
Eu acho que foi justamente porque eu não fui embora nessa hora que eu decidi ficar e pagar para ver até onde ia o caráter desse homem.
Vale dizer - com certo orgulho, aliás - que apesar de eu não ter me retirado dessa noite desastrosa, eu também não engoli nada calada. A cada comentário inoportuno de M, eu o rebatia com uma crítica ou pergunta. Eu mantive um tom de voz educado, mas fiz questão de deixar claro que eu não concordava com nada do que ele falava.
Foi uma noite inteira de discordância, em que todas as minhas frases começavam com um "não é bem assim” ou um “eu não concordo com você nisso”. Eu passei horas rebatendo comentários machistas e arrogantes de um homem com ego inflado, que trazia a mãe e as irmãs para defendê-lo a cada assunto, mas que achava que mulheres que se vestem de certa maneira "estão pedindo”.
Em nenhum momento eu dei qualquer sinal de interesse por M. E por isso, quando já estávamos na saideira - finalmente! - eu fiquei ainda mais chocada com o sorrisinho que ele deu ao comentar que o hotel dele era ali perto e me perguntar “Então, o que você gostou sobre mim?” com um tom de voz de absoluta certeza de que eu tinha gostado de alguma coisa.
Respirei fundo e respondi com meu último fio de educação um “Foi uma noite interessante. Apesar de eu discordar de muita coisa que você falou.”
M ficou incrédulo e perguntou o que eu tinha discordado, como se eu tivesse falado algo impensável. Nessa hora minha paciência acabou junto com a segunda garrafa de soju e eu simplesmente listei (gesticulando) todos os comentários inoportunos e as mentiras que ele vomitou a noite toda.
Ele ficou bravo e me interrompia. Eu fiquei mais brava ainda e o interrompia de volta. A conversa virou um verdadeiro bate boca, e no meio da discussão eu percebi que ele estava verdadeiramente chocado com a minha reação. Como se ele realmente nunca tivesse sido discordado por uma mulher.
Então ele teve a melhor reação possível: ele saiu correndo.
Confesso que demorei alguns segundos para registrar que ele não estava mais lá. Eu continuei discutindo com uma cadeira vazia na minha frente até olhar para os lados tentando entender o que tinha acontecido. Quando caiu a ficha, eu comecei a gargalhar.
Depois de horas de tensão, eu chorava de rir. Sentia um gostinho de vitória também. Suportei M a noite toda, apenas para ele fugir do debate quando o jogo virou.
No caminho de volta para o meu hotel, vi que ele já havia me bloqueado no Instagram, e voltei a gargalhar em público.
Aquele homem tão arrogante e cheio de si era simplesmente… Patético.
No final das contas, consegui comer churrasco no meu último dia na Coreia do Sul.
Achei um restaurante que servia porções individuais, apesar de que a equipe não era muito amigável, como se eles não quisessem me servir.
Reparei nisso diversas vezes, aliás. Na maioria dos bares e restaurantes que eu ia, sentia os olhares de estranheza das pessoas, como se fosse algo fora do comum. Depois de viajar por dezenas de países, sinto que a Coreia do Sul está só agora descobrindo mulheres que viajam sozinhas.
Aceitei a estranheza. O churrasco estava delicioso, e a solitude, mesmo que alvo dos olhares alheios, era mil vezes melhor do que uma companhia desagradável.
Tschüßi!
eu não sei o que me choca mais, o papa torto dele ou ele ousar achar que tem chance com você. Simplesmente patético kkkkk
Por um momento eu li churrasco vegano e quase tive um surto hahaha ameii