Seja quem for a pessoa que cunhou a expressão “cuidado com o que você deseja”, ela provavelmente estaria rindo da minha cara.
Eu tentei descobrir esse mestre da ironia, mas uma busca rápida no ChatGPT já deixou claro que essa é uma daquelas lições de moral que pode ter originado de qualquer ponto geográfico ou temporal da história da humanidade. De qualquer jeito, nunca antes na minha vida essa frase foi tão precisa.
Se você acompanha essa newsletter, talvez já tenha passado pela edição #23: Pausa em que eu comento um desejo ainda nascente, praticamente embrionário, de fazer uma pausa do trabalho. A edição saiu no dia 26 de julho, e no dia 24 de setembro eu fui demitida do meu emprego num dos temidos layoffs.
Que ironia. Ha. Ha. Ha.
Um layoff é uma demissão em massa que a empresa faz quando quer cortar custos. Uma prática extremamente questionável por, entre diversos outros motivos, ser muito mal comunicada. No meu caso, eu descobri que tinha sido demitida quando fui ligar meu computador e ele estava bloqueado. E porque cinco minutos depois tinha sido incluída em três grupos de whatsapp chamados "Layoff Empresa” com outros 60 funcionários afetados.
Se passar por um layoff em seu país de origem já deve ser estressante e traumático, imagina então quando seu visto de permanência num outro país depende do seu emprego. Ou quando você precisa informar quinze órgãos burocráticos diferentes sobre sua demissão. Em alemão. E nenhum deles te responde.
Foram dias de caos e ansiedade enquanto eu vivia um limbo de informações sobre o que aconteceria comigo. Mas em especial porque, duas semanas depois do anúncio, eu tinha uma passagem marcada para a viagem dos meus sonhos: um mês de férias pelo Japão e Coreia do Sul.
A viagem, que já tinha sido cancelada em 2020 por causa da pandemia, quase foi abandonada pela segunda vez. Mas depois de alguns “vai, não vai”, breves crises de desespero, poucas burocracias resolvidas e um entendimento básico das políticas trabalhistas e de segurança social da Alemanha, eu embarquei nesse sonho.
E que sonho! Foram 5 semanas explorando os lugares mais incríveis que eu já vi, checando meus emails raramente e usando meu celular apenas para me encontrar no Google Maps ou tirar foto de comida. Eu embarquei achando que seria assombrada pelo fantasma do layoff, e no final das contas eu me libertei.
Essa viagem certamente ainda vai ser tema frequente aqui nessa newsletter. Porém, tão importante quanto ela, foi não precisar voltar para um trabalho.
Preciso admitir uma verdade: perder o emprego na Alemanha é muito mais confortável do que no Brasil. Entre diversos fatores, há o aviso prévio que costuma ser de 3 meses, o que significa que continuo recebendo meu salário normalmente nesse período, mesmo sem trabalhar.
Talvez se não fosse por isso - e uma forte política de seguro desemprego - eu não teria ido para a Ásia e realizado o maior sonho da minha vida. Ou não teria voltado de lá sem a pressa de já começar um emprego novo. Ou não teria vivido esse último mês em Berlim com calma, lendo muito mais livros, cozinhando mais receitas, fazendo mais esporte, vendo mais amigos, e simplesmente vivendo uma vida para além do trabalho.
Talvez eu não teria descansado. E sem descansar, talvez eu não teria refletido sobre planos futuros, pensado em projetos novos, ou reavaliado o que eu quero do meu próximo emprego. Talvez eu não teria entendido que eu posso escolher um emprego, ao invés de simplesmente aceitar o que me aparecer.
Semanas após meu retorno da Ásia, encontro um grupo de amigos e eles me dizem: "Você está reluzindo". Dou risada e respondo que o desemprego combina comigo.
Fico pensando nisso durante dias. Não consigo identificar exatamente o que está causando esse brilho todo, mas eu mesma o enxergo quando me olho no espelho. O sorriso vem mais fácil, eu me sinto mais saudável, fico feliz de acordar cedo por vontade e não por obrigação, e passo horas em silêncio tranquilamente. Me recuso a olhar o LinkedIn.
A resposta vem numa troca de áudios com meu amigo Diogo do Assiste isso aqui. Conto sobre meus dias e ele me responde: “Ninguém nasceu para trabalhar. Viver a vida é o que todo mundo deveria ter”.
Sei que esse sabático tem data de validade. Meus boletos continuam chegando, meu visto para viver na Alemanha exige que eu tenha um emprego, e afinal de contas preciso pagar a próxima viagem para a Ásia - sim, ela continuará sendo a viagem dos meus sonhos.
Reativei meu LinkedIn, apesar de ainda ignorar todas as notificações, e pouco a pouco vou preenchendo os últimos documentos e resolvendo as últimas burocracias. É praticamente um ensaio prolongado antes de começar uma nova busca por emprego. Me permito mais uns dias de folga com a desculpa do fim de ano. Falo para mim mesma: “Em janeiro eu me movimento”.
Não sei como vai ser o próximo ano, mas tenho a impressão de que esse sabático forçado, esse desejo que veio muito antes do esperado, terá servido seu propósito.
Tschüßi!
Eu lendo o texto e preparando mentalmente meu comentário sobre como tudo é formatado pra gente apenas reagir, pra não termos tempo de pensar ou escolher com base nas nossas vontades mas sim resolver necessidades, que tava feliz porque você teve esse tempo pra refletir e se recuperar e eis que... você me cita hahahaha
Que você continue se priorizando e fazendo as escolhas que te deixam feliz. 2025 vai ser um ótimo ano pra você.