#18: Aplicativos de relacionamento
Caminho pela loja de importados em um grande shopping humano.
Recentemente eu voltei para os aplicativos de relacionamento.
Eu tenho um certo padrão: uso um app por umas semanas. Desisto e abandono a ideia por meses ou até anos. Até que eu resolvo me arriscar novamente e baixo um outro app, continuando um círculo vicioso que desafia minha limitada bateria social.
Já criei e deletei contas no Tinder, Bumble, Inner Circle, Coffee Meets Bagel, e sei lá qual outro nome absolutamente sem sentido tem no mercado.
O aplicativo dessa vez se chama Hinge, e não tem nada demais além de um design legal. Assim como todos os outros, você pode colocar o tipo de relacionamento que está procurando, e se você costuma beber, fumar (cigarro ou outras coisas), tomar drogas, etc.
Seja porque ele está popular ou porque eu estou num raro momento de engajamento, os matches estão acontecendo. E nas últimas semanas eu tenho enfrentado a tarefa de filtrar homens numa cidade em que 25% dos moradores são estrangeiros e que, bem… Quem já buscou um date nessas plataformas sabe como é, né?
A primeira etapa foi entender meus próprios critérios. A começar pelo idioma. Como meu alemão não passa do nível de padaria, já estava claro para mim que não seria interessante sair com um cara que só falasse alemão. Então apenas quem escreveu o perfil em inglês ganha um like.
Depois, eu filtro pelas informações básicas que eles colocam, e aqui o movimento chega a ser quase em escala industrial.
Bebe? Direita.
Fuma? Esquerda.
Drogas? Esquerda.
Quer filhos? Esquerda.
É casal procurando por uma terceira parte para animar as coisas? Pausa… Esquerda também.
Tem perfil de coach picareta? Esquerda.
Escreveu que procura uma mulher especial, que sabe o que quer e que tenha um sorriso encantador? Esquerda esquerda esquerda.
São horas olhando uma vitrine humana e eu não desperdiço nem um minuto. Eu escaneio os homens como se estivesse no brechó em busca de uma blusa. Eu sei que gosto de roupas pretas, então nem dou atenção para a sessão de estampas coloridas.
A dificuldade começa na terceira etapa: depois de ser aprovado no meu critério de idioma e informações básicas, é hora de ler o que ele escreveu e tentar identificar se é um potencial candidato. É uma fase subjetiva, e eu me recordo de como é ler a descrição de uma vaga quando procuro um novo emprego.
Eu vejo um "gosto de caminhar pelo canal e descobrir cafés legais" que muito me interessa. Mas logo em seguida tem um "vamos fazer uma trilha de 10h na natureza e escalar a montanha juntos" e eu percebo que não teremos futuro. É uma constante balança de prós e contras e eu preciso decidir onde investir.
Uma parte singela passa no teste e finalmente estamos prestes a ter um match! E é aqui, mais do que em qualquer outra fase desse shopping humano, que eu percebo a bizarrice que é procurar alguém num app de relacionamento num outro país cheio de estrangeiros.
Em resumo, é aqui que eu tomo consciência dos meus próprios preconceitos e estereótipos.
Quando encontro alguém da América Central, logo penso: e se ele for daquele tipo machão?
Quando dou um match num israelense, a primeira coisa que me vem à cabeça é: o que será que ele vai falar sobre o genocídio em Gaza?
Se for um alemão, especialmente do sul, logo espero uma prole do nazismo.
É da Itália, Espanha, Portugal? Provavelmente machista.
Francês? Será que ele toma banho todo dia?
Americano? Vai falar que minha língua materna é espanhol e fazer comentários estúpidos sobre a América do Sul.
É quase que uma experiência além-corpo, em que a Luiza mente aberta e que gosta de sair da própria bolha é expulsa e a Luiza conservadora e cabeça fechada toma conta. Gostaria de dizer que não reconheço essa segunda Luiza, mas a verdade é que eu provavelmente só tenho vergonha de admiti-la.
Procurar alguém nos apps de relacionamento talvez seja o maior experimento psico-social da modernidade. É um universo paralelo em que pessoas são produtos expostos em vitrines e você acha que eles são os ratos de laboratório. Mas o verdadeiro experimento é o comprador.
Depois de algumas semanas no Hinge, o saldo atual é o seguinte:
80% de homens rejeitados.
12% de matches que caíram no limbo.
7% de conversas que não deram em nada.
1% que eu de fato conheci - duas pessoas.
Um deles foi um alemão do sul. Ele me apresentou um bar legal, me contou da época que ele mesmo morou no exterior, me deu várias dicas de viagem, e não deu nenhum indício de ser prole do nazismo.
Gente boa. Nunca mais falamos depois desse encontro.
O outro é de Israel. Parece promissor, talvez tenhamos um segundo encontro. Não perguntei sobre a guerra em Gaza.
Assim como num experimento científico, o único jeito de comprovar uma hipótese é fazendo testes empíricos. Com sorte, alguns ratinhos de laboratório vão conseguir sair da jaula em algum momento.
Tschüßi!
te desejo sorte, serenidade e paciência nessa fase!!
Hahaha, me identifiquei 100%.
Meu israelense é um doce, mas sionista. Quase não o encontrei por conta disso. Parecem ser duas personas diferentes habitando o mesmo corpo, a que conheci pessoalmente e o que nega o genocídio e compartilha publicações defendendo Israel. Como é difícil tentar ser mente aberta e praticar o que se prega. Não me arrependo, estou aprendendo muito. Mas tá longe de ser bolinho.