Vira e mexe alguém me pergunta: “Você pensa em voltar para São Paulo?”
Normalmente a resposta inclui um longo silêncio em que eu considero tudo o que eu estou sentindo naquele momento e boto na balança todos os prós e contras de viver em Berlim de acordo com os últimos acontecimentos da minha vida. Nunca é pá-pum.
Porém, pelo menos até agora, minhas respostas sempre incluíram alguma forma de: “Eu não desejo trabalhar em São Paulo.”
Isso ficou especialmente claro durante minha visita ano passado, quando eu já estava habituada a Berlim o suficiente para reconhecer esse que é o (meu) maior choque cultural.
Senti esse choque quando poucas pessoas do meu círculo social podiam fazer uma pausa de 30 minutos no trabalho para descer até o térreo do prédio comercial e tomar um cafezinho com a amiga que estava de visita. Ou quando o meu pai, que já estava caminhando para a aposentadoria, teve uma reviravolta e agora tem, ao invés de um, dois empregos, e trabalha tanto que eu mal consigo falar com ele por telefone durante a semana. Ou quando vários amigos desmarcaram comigo por causa do trabalho. Ou quando todas as conversas que tive incluíam em alguma medida um “estou cansada” e “trabalhando muito”.
É essa necessidade de trabalhar sempre mais mais mais mais mais mais mais que me dá pavor toda vez que eu imagino voltar para São Paulo.
Quando me perguntam se eu estou gostando de Berlim, minha resposta - essa sim pá-pum - é: “Eu tenho o estilo de vida que eu queria.”
O oposto da vida paulistana. A vida em que o lado profissional é cada vez menos central do cotidiano. Uma simples ferramenta que proporciona o salário que vai pagar pela vida de verdade; minhas viagens, minhas cervejas artesanais, meus cursos de violino, alemão e pilates, meus livros, meus móveis e itens de decoração, meus streamings, minhas decisões impulsivas que (normalmente) trazem as melhores experiências.
De tão pequeno, o trabalho vai ficando insignificante, e eu começo a entreter a idéia de fazer uma pausa.
Sim, uma pausa do trabalho.
Impensável. Se eu fosse uma profissional em São Paulo, não é?
Mas Berlim vem me dando coragem para imaginar uma vida além das 8 horas na frente do computador. É uma ideia tímida ainda, quase que um sussurro que coça meu ouvido de tempos em tempos. Penso nele quando noto uma movimentação de colegas ao meu redor que estão saindo do emprego para fazer uma pausa da área de tecnologia.
Uma saiu para ficar sem trabalhar uns meses e pensar no próximo passo da carreira. Outra saiu para fazer um part-time temporário numa empresa de montagem de palco e dar um tempo antes do próximo emprego como desenvolvedora. O outro saiu para voltar para o país de origem e simplesmente descansar.
A cada anúncio de saída, eu volto a ouvir uma voz miudinha dentro de mim dizendo e se eu fizer isso também?
Assustador. Eu trabalho sem parar desde os 20 anos de idade e sempre tive um medo tremendo de ficar desempregada. Afinal de contas, como boa paulistana que sou, sempre me identifiquei primeiramente pelo meu cargo - mesmo que já tenha mudado de carreira umas três vezes.
Quem era eu, senão a Luiza jornalista-publicitária-UX writer-content designer-empregada?
Não mais. Quanto mais insignificante o trabalho se torna, menos eu me reconheço nessa identidade. Ou melhor, mais eu me liberto dela.
Cresce em mim ideias nunca antes levadas a sério. Imagino largar o emprego daqui uns anos e fazer o tão sonhado sabático na Ásia. Ou então recuperar um plano antigo de tirar o certificado de Sommelier de cerveja e realizar degustações guiadas para quem tiver interesse. Ou ainda - mal me atrevo a sonhar - fazer uma pausa para escrever um livro.
Entreter essas ideias ainda me dá um embrulho no estômago. Seria - mesmo que temporária - uma mudança grande demais, desaforada demais.
Por outro lado, penso também, não foi igual quando decidi largar tudo, inclusive um salário de 5 dígitos e as chaves de um apartamento novinho, para vir morar na Alemanha? Afinal de contas, não foi para isso que eu vim morar na Alemanha?
O embrulho no estômago vai se tornando uma empolgação que antecede uma grande aventura. Sei que não vou tomar nenhuma atitude agora. Ainda quero ter outras experiências de trabalho antes de dizer com segurança: “Vou fazer uma pausa.”
Mas aos pouquinhos vou entretendo essas ideias, antes tão distantes e hipotéticas, e começo a traçar planos. Começo a escolher o próximo passo dessa vida além do trabalho.
Tschüßi!
Bah. Me conectei muito com o teu texto! Eu estou em uma vida nômade há uns anos e trabalhando remotamente há pouco mais de um ano, mas só recentemente tirei esse peso das 8+ horas de trabalho. Me estressa sem nenhum necessidade. E me sentia culpada quando não estava sentada na frente do computador aguardando uma resposta ou caçando mais alguma coisa pra fazer. Depois de muitas sessões de terapia larguei o osso e vejo a beleza e importância da liberdade de poder pausar. E não me sinto menos profissional que antes, pelo contrário, sinto que cumpri minha meta do dia e liberei espaço pra minha vida acontecer e fluir 🩷
Nossa, tô nessa fase real - finalmente me libertando do trabalho enquanto definidor da minha identidade. Vejo muita gente largando emprego e tirando sabático - e um dia sei que farei. Aqui na América Latina como um todo vejo isso mais tímido por questões culturais e sociais. Mas estamos mudando. Que você ouça esses sussurros e os atenda na hora certa ☀️🥰